MITOS

Muitos são os mitos envolvendo a raça Ovelheiro Gaúcho, alguns levantados pelo público em geral ao longo dos anos e outros até criadores mais recentemente. Então aqui vamos tentar desmistificar alguns deles:

"Ovelheiro é uma coisa e Collie é outra"

Vamos começar por um mito bem simples, porque na realidade está mais para um equívoco conceitual do que propriamente um mito, devido a confusão causada pelo público ao longo dos anos.

A palavra "Collie" não representa uma única raça especifica, mas sim um type (tipo) de cães que compartilham características morfológicas semelhantes. Tanto que, se você procurar unicamente pala palavra "Collie" no índice de raças do grupo 01 do site FCI (Federação Internacional), você não encontrará padrão homologado. O que existem são raças como Rough Collie, Smooth Collie, Border Collie, Bearded Collie, Shetland (Mini Collie), etc. Até porque todas essas raças tiveram um ancestral em comum, o Scottish Collie, que provavelmente também contribuiu para formação do nosso Ovelheiro Gaúcho. Em um processo de seleção (como parâmetro de comparação), muito semelhante ao que aconteceu no type dos Bulldogs: Onde existem Bulldog Francês, Bulldog Inglês, Bulldog Americano, Bulldog Campeiro, etc.    

Ou seja, o Ovelheiro Gaúcho nada mais é do que a versão brasileira do type (tipo) Collie, tanto que no estrangeiro já estão sendo referidos como "Brazilian Collie". Essa é a verdade!

"Ovelheiros são ótimos cães de guarda"

A função de guarda remete à cães com imponência por conformação física robusta, aliada ao drive de ferocidade. Geralmente cães tipo molossoides, do grupo 02 da definição internacional FCI, como Rottweiler, Doberman, etc.

Acontece que Ovelheiros são cães originalmente do tipo pastoreio (Type Collie do grupo 01 FCI). O máximo de diferente que eles podem fazer em termos de função, é latir em sinal de alarme quando algo estranho se aproxima do seu território.

Caça, corrida, combate, salvamento, faro, aponte e guarda, não são funções dessa raça. E mesmo que, em alguns casos isolados, eles tentem executa-las, devido a ótima capacidade de aprendizagem, nunca irão fazer com excelência, como as raças que são propriamente selecionadas para isso.

Portanto, do ponto de vista cinotécnico, selecionar ovelheiros para essas outras funções é um desserviço para a raça, porque pode, a longo prazo, descaracterizar o fenótipo e a tipicidade comportamental original. 

"Ovelheiros grandes são melhores"

Tamanho é uma das primeiras impressões que colhemos ao observar um cão. Entretanto, não existe comprovação teórica ou empírica de que ovelheiros com grandes tamanhos demonstraram alta performance no pastoreio (com movimentos de balanço na culatra, troca de direção instantânea e garroneio), pelo contrário, ovelheiros grandes tendem a ser lentos, preguiçosos e/ou com pouca iniciativa. Quase sempre devido a problemas estruturais na ossatura pesada ou obesidade (ou ambos). Para falar a verdade, desconhecemos qualquer benefício morfofuncional em um ovelheiro com mais de 60 cm de cernelha e/ou mais de 30kg. 

O importante é que o exemplar seja proporcional em suas medidas e esteja próximo da relação peso/altura IMC (índice de massa corporal) considerada ideal, nem a mais nem a menos. Lembrando também que, nas ninhadas, o tamanho do filhote reflete muito mais a sua habilidade para mamar, do que propriamente a qualidade do seu fenótipo. Portanto, tamanho grande definitivamente não é um diferencial de qualidade.

"Ovelheiro que enrola a cauda demonstra dominância"

Mesmo que a cauda seja um instrumento de comunicação corporal para os cães, onde é possível identificar alguns comportamentos como timidez ou dominância, ainda assim não podemos esquecer que ela nada mais é do que a continuação da coluna vertebral, ou seja, faz parte da estrutura esquelética do cão. Então, bimecanicamente falando, quanto menos angulação dos membros posteriores em relação a linha superior do tronco, maior será a elevação da inserção de cauda, fazendo com que a mesma se erga e acabe dobrando/enrolando sobre a linha superior (dorso/garupa).

O problema é que essa característica só é perceptível quando colocamos o animal para trotar em linha reta, e geralmente os donos fazem isso apenas quando saem para caminhar com o cão na rua. Isso explica a confusão dos leigos em confundir cauda enrolada com comportamento de dominância.

Vale ressaltar que o padrão oficial preconiza que o exemplar possua posteriores bem angulados e uma garupa arredondada. Sendo que a cauda erguida ao entrar no trote é sinal claro de que a garupa do exemplar é plana (popularmente conhecida como garupa quadrada), ou seja, sem a angulação desejada.   

DESEJÁVEL: Membros posteriores bem angulados geram uma garupa arredondada e consequentemente uma cauda portada baixa ao entrar no trote.  

INDESEJÁVEL: Membros posteriores pouco angulados geram uma garupa plana e consequentemente uma cauda enrolada sobre o dorso ao entrar no trote.  

"É possível selecionar cor e qualidade num único cruzamento"

Não, não é! Selecionar cor é uma coisa, selecionar qualidade é outra. 

Para um criador selecionar cor num cruzamento, algum outro cruzamento (ou algum outro criador) tem que ter selecionado qualidade anteriormente, e vice-versa. Sem contar que hoje em dia são proporcionalmente mínimas as linhas de sangue de "cores exóticas" em condições de serem realmente competitivas em exposições, ou seja, a grande maioria desses cães não consegue comprovar alta qualidade morfológica.

"Existe dois tipos de padrão: Exposição e trabalho"

Essa afirmação não faz sentido, nem para o Ovelheiro Gaúcho, nem para raça alguma.

Padrão de raça, na criação de animais domésticos, é o conjunto de diretrizes usadas para garantir que os animais produzidos por um criador estejam em conformidade com as especificidades exigidas. Há padrões para raças de cães, gatos, cavalos, bois, galinhas, etc. Em outras palavras, o padrão é como uma "receita de bolo", onde são definidas as características que devem ser seguidas e passadas para as próximas gerações, com objetivo de perpetua-las fielmente.

O que acontece é que existem raças com padrões mais rígidos, geralmente as mais antigas e consolidadas, como por exemplo Dobermann, Golden Retriever e Pastor Alemão, e outras com padrões mais abrangentes, geralmente as mais recentes e em formação, sem tanta homogeneidade, como o Ovelheiro Gaúcho, Pastor da Mantiqueira e Buldogue Campeiro. Mas para cada uma delas existe apenas um único padrão, sendo que o criador pode se especializar em selecionar para exposições (abrindo mão de funcionalidade), ou em funcionalidade (abrindo mão de exposições). Quando isso acontece, no caso dessas raças em formação, faz com que seja aberto margem para discussões sobre fenótipos específicos, que variam conforme o sucesso do plantel de cada criador. Por isso a solução ideal sempre será trabalhar no sentido de promover a seleção integral, a fim de produzir animais mais completos possíveis, assim a probabilidade de sucesso fica maior, e ocorrendo resultados comprovados em ambas as frentes, não haverá então contestações no que diz respeito a padrão racial.

"Um bom Ovelheiro substitui três homens"

Do ponto de vista funcional das lides rurais, é absolutamente inconcebível comparar uma pessoa a um animal. Afirmamos isso com propriedade, são mais de 50 anos anos atuando no ramo da pecuária tradicional. 

Mesmo que ambos trabalhem juntos na mesma atividade, é preciso compreender que existe uma relação de complementação mútua, ou seja, é um trabalho feito em equilíbrio, onde um precisa do outro. O mesmo vale para os cavalos. Um cavalo sem um peão (ou um peão sem um cavalo), não tem serventia para nada. Por isso essas comparações não procedem, são grandezas distintas em uma relação de harmonia, e não uma paridade competitiva.

"Os ovelheiros pretos são os mais trabalhadores"

Essa é mais uma afirmação sem comprovação científica. 

O que acontece é que a porcentagem de ovelheiros pretos é uma das maiores dentro da população dos cães enquadrados no padrão da raça. Logo, a porcentagem de ovelheiros pretos trabalhando também é muito grande. Mas isso não significa que ovelheiros de outras pelagens, como amarelos, tricolores, predominantes brancos e até merles não possam apresentar alto desempenho funcional.

Quanto aos merles cabe uma ressalva: Como esse gene está amplamente atrelado a alguns problemas de pele, de visão e de audição, consequentemente acabam tendo o desempenho de pastoreio comprometido (em função da falta saúde). Mas isso seria apenas para os cães merles que apresentem deficiência, pois os merles que são saudáveis podem sim ser funcionais.     

"Cada ano de vida deles representa sete anos de vida nossa"

Na realidade esse mito envolve não somente os ovelheiros, mas todos os cães. Porque quase todo mundo que tem cachorro já parou para pensar em que idade ele teria se fosse humano. 

Uma das estimativas mais usadas é multiplicar a idade do animal por 7 (em um progressão aritmética simples). Porém, uma nova pesquisa demonstrou que essa aproximação não corresponde à realidade, e desenvolveu uma fórmula bem mais apurada. Usando uma análise química do material genético de cães e humanos, o estudo descobriu que os animais envelhecem muito rápido no começo da vida.

O trabalho foi feito por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em San Diego-USA e analisa a presença de grupos metil no genoma dos humanos e dos animais. O resultado do estudo cientifico é um gráfico que pode ser usado para estimar a “idade humana” de um cachorro de uma forma bem aproximada. 

Comparação entre fases da vida de um cão e fases da vida de um humano. Imagem: Trey Ideker/UC San Diego

"A raça Ovelheiro Gaúcho apresenta dimorfismo acentuado (entre macho e fêmea)"

Em biologia, o dimorfismo é considerado quando há ocorrência de indivíduos do sexo masculino e feminino de uma espécie com características físicas não sexuais marcadamente diferentes, como por exemplo nos leões, nos pavões, nas morsas, entre outras. 

Acontece que, em algumas raças caninas, até é possível notar uma leve diferença de tamanho entre um macho e uma fêmea, entretanto, não existe dentro da cinófila raça alguma que exponha evidencia de dimorfismo acentuado, como por exemplo cores ou ornamentos exclusivos para determinado sexo. No máximo essa leve diferença citada anteriormente em relação a tamanho, e nada mais. Inclusive, dentro da raça ovelheiro gaúcho, não são raros os casos de fêmeas grandes e machos pequenos. Portanto, esse é mais um mito que na prática não se sustenta.

"Os cães Ovelheiros trabalham sem a presença do condutor"

Primeiramente é preciso interpretar o que diz o padrão oficial CBKC vigente: "Fácil adaptação para atender os comandos". Ora, se o cão ovelheiro atende aos comandos, como ele irá trabalhar sem comando? Claramente uma incongruência. Sem contar que absolutamente nenhuma raça de pastoreio apresenta esse comportamento.

O que acontece, na realidade, é que alguns peões optam por ovelheiros que trabalham mais próximos e outros, dão liberdade para que os ovelheiros trabalham mais afastados. E isso causa a falsa impressão, aos leigos, de que os cães estão "fazendo tudo sozinhos". 

Cabe ainda ressaltar que algumas propriedades são tão pequenas (como chácaras e sítios, menores de uma hectare), em que o proprietário pode, literalmente, acompanhar seu ovelheiro trabalhando sentado, tomando um chimarrão. Entretanto isso, evidentemente, não indica que o cão ovelheiro trabalhe sem a presença do proprietário, pelo contrário, ele só está trabalhando porque o proprietário está ali, presente.

Lembrando também que, os primeiros registros escritos sobre o surgimento da raça Ovelheiro Gaúcho são de meados do século XIX, época em que as propriedades rurais (estâncias) eram medidas em Sesmaria (cerca de 6500 hectares). Então, como poderia um ovelheiro pastorear sem a presença do proprietário, por uma área maior do que 6 mil campos de futebol? Muito pouco provável, praticamente impossível. 

Dessa forma podemos concluir que, as atribuições de outras atividades aos cães ovelheiros, sempre são casos isolados que, ou não representam a realidade da população da raça como um todo, ou então, são histórias passionais de proprietários, que parecem muito mais uma descrição fantasiosas, do que propriamente um relato verídico.      

"Ovelheiros surgiram através de seleção natural"

Bem, em princípio, é importante entender os conceitos de seleção natural e seleção artificial: Na seleção natural, o ambiente seleciona a propagação das características favoráveis. Sendo, assim, um processo natural, diferenciando-se da seleção artificial, na qual o homem seleciona as características consideradas importantes e direciona o processo reprodutivo. 

Desse modo, podemos concluir que, mesmo o ambiente do bioma pampa (com adversidades e intempéries), interferindo de forma um tanto natural na seleção do Ovelheiro Gaúcho, não podemos esquecer que o objetivo da seleção dessa raça sempre foi cumprir a função originária de pastoreio. Uma vez que os peões gaúchos sempre buscavam cães com maior aptidão. Sendo assim, os mais aptos ao pastoreio tiveram melhores condições de procriar, porque seus filhotes eram mais procurados por outros peões, e os melhores pastores eram procurados para cobrir boas fêmeas pastoras. Por isso, obviamente, a preponderância para o surgimento da raça Ovelheiro Gaúcho aconteceu, com interferência humana, através de seleção artificial para essa atividade específica (pastoreio).

"Ovelheiros não devem ter sub-pelo"

Atualmente esse, na nossa opinião, é o maior dos mitos. Isso porque absolutamente todas as raças pastoras (grupo 01 da definição internacional) possuem a característica do sub-pelo explicitamente descrita no padrão racial. Por que então o Ovelheiro Gaúcho, que se originou dessas raças, seria diferente? Afirmamos, sem sombra de dúvidas, que 100% dos ovelheiros possuem sub-pelo (também conhecida como lãnilha), uns com mais densidade outros menos, mas todos possuem. E essa afirmação é corroborada até mesmo pelo próprio Telmo Souza Lima Filho, cinófilo que foi o primeiro a realizar estudos para reconhecimento do Ovelheiro Gaúcho como raça pura, inclusive participando da homologação do padrão oficial, em dezembro de 2000. 

O raciocínio é simples: A pelagem densa composta de folículos duplos (pelo e sub-pelo) forma uma camada isolante tanto para o frio, quanto para o calor, tornando o cão ovelheiro totalmente "adaptado às intempéries", exatamente como preconiza o padrão oficial CBKC da raça. Uma vez que a variação térmica na região sul é muito grande. Então, seja no clima hostil do frio, vento e chuva, nos meses de inverno, ou no calor seco do verão, o cão ovelheiro está sempre bem protegido.

Lembrando também que, a muda sazonal é uma condição fisiológica típica dos cães que possuem essa característica (isso tecnicamente é comprovado). Então, se sua fêmea de ovelheiro perde violentamente os pelos após fazer o desmame da ninhada, essa é a prova mais clara que o sub-pelo está presente. Já para os machos (e fêmeas castradas) essa muda também acontece, porém de forma mais lenta e gradativa. Também é importante entender que esse período da muda tem muito mais correlação com o sistema endócrino do cão, do que propriamente com as estações do ano. Mesmo que o frio e o calor geralmente influenciem à produção (ou inibição) dos hormônios caninos, essa muda pode sim, apesar de rara, acontecer no inverno.

A título de curiosidade e comparação, as raças que não possuem presença de sub-pelo, são aquelas que passaram por seleção em locais com variação térmica mais branda, ou seja, não foram expostas ás intempéries. Geralmente raças de companhia (grupo 09), cuja seleção se deu totalmente dentro das residências. Dessa maneira o pelo cresce de forma contínua e permanente, com apenas um único fio de pelo dentro do folículo (exatamente como um cabelo humano), como nos casos das raças Yorkshire Terriers, Papillon e Maltês, que até podem fazer uma muda sazonal, porém insignificante. 

Kat da Sta Terezinha  Tricolor, no frio de -5 °C do Maine-USA 
Piá da Sta Terezinha Tobiano, no calor de 40 °C de Osório-RS 
Endereço: Estrada Linha Portão nº 251, Rio Pardo-RS, Brasil.
Whatsapp (fone): + 55 (51) 98165-4111