O Rio Grande do Sul (estado mais ao sul do Brasil), com sua vasta extensão territorial, sempre foi local propício à agropecuária. Desde o remoto início do povoamento os campos foram enriquecidos com rebanhos de gado bovino, provindos principalmente das reduções jesuíticas. Também a criação de ovinos começou a ter grande influência na economia local. Então, para auxiliar no cuidado desses rebanhos, os cães passaram a ser utilizados com grande aceitação como ferramenta de trabalho.
Por serem descendentes de cães de pastoreio, os ovelheiros têm grandes qualidades exigidas no trato com as delicadas ovelhas, mas também sabem como comandar um rebanho bovino quando necessário. Há muitos tempo vem sofrendo adaptações por meio de seleção artificial, que busca adequar a raça as mais diferentes situações vividas nas lides de campo, principalmente o pastoreio. Ao longo dos anos, realizou-se a escolha e reprodução dos animais que se adaptavam ao ambiente em que viviam, propiciando a formação de uma raça resistente e rústica, aceitando trabalhar por muito tempo, percorrendo longas jornadas por dia e adaptada ao clima da região do bioma Pampa, caracterizado por muito frio no inverno e muito calor no verão, além de uma grande amplitude térmica diária.
Abaixo alguns registros fotográficos enviados por amigos colaboradores eu coletados via internet.
A TEORIA SOBRE O "BERÇO" DA RAÇA
O município de Rio Pardo foi, em outrora, o ponto militar imperial mais à ocidente da então província de São Pedro, ou seja, um ponto geograficamente estratégico dentro da região do bioma Pampa em meados de 1700. E com o fim da guerra guaranítica, começou efetivamente a pecuária em larga escala, tornando-se uma potência econômica (no contexto da época), onde a principal atividade era a compra e venda de rebanhos. Por isso acredita-se ser muito provável que em Rio Pardo também tenha se dado os primeiros passos para utilização dos cães como ferramenta de trabalho no pastoreio do Rio Grande do Sul. É uma questão lógica, pois analisando o contexto geográfico da época, onde existiam, de fato, apenas quatro municípios (Rio Grande, Santo Antônio da Patrulha, Porto Alegre e Rio Pardo), sendo que:
1 - Rio Grande estrategicamente era uma cidade portuária, com foco no comércio marítimo;
2 - São Antônio da Patrulha é uma cidade de encosta de serra, e na serra não existiam campos apropriados para criação de gado em larga escala, devido a topografia acidentada;
3 - Porto Alegre sempre foi muito mais uma cidade "ponto de passagem" nas rotas comercias (devido a isso se desenvolveu e tornou-se a capital), do que propriamente um município de produção agropecuária, até por estar localizada as margens do Lago Guaíba e afastada da região do Bioma pampa;
4 - E finalmente chegamos a Rio Pardo, cidade mais antiga da região do pampa gaúcho e localizada no exato ponto onde se inicia os campos que até hoje são perfeitamente propícios para o manejo de rebanhos.
Lembrando que cidades, atualmente referências na pecuária, ainda não existiam (no máximo eram pequenos vilarejos), como Pelotas, Bagé, Alegrete, Uruguaiana, entre outras. Lembrando também que os jesuítas, nas região das missões, nunca relataram a utilização de cães no pastoreio.
Logo, visto toda essa análise contextualizada, vem à questão crucial: Se tivéssemos que apostar em uma dessas quatro cidades como "berço" da raça Ovelheiro Gaúcho, em qual apostaríamos? ... É evidente que onde surgiram as primeiras atividades com rebanhos, também surgiram os cães que trabalhavam com rebanhos, simples assim.
De qualquer forma, isso tudo ainda está apenas no campo da teoria, e mais estudos aprofundados certamente serão realizados. Seja como for, essa é sem dúvida alguma a teoria mais plausível sobre o local de surgimento dos primeiros cães utilizados no pastoreio de rebanhos no estado do Rio Grande do Sul.
Outra curiosidade histórica que corrobora para essa mesma linha de pensamento fica por conta do escritor gaúcho Erico Veríssimo, que em uma passagem do clássico “O tempo e o vento - Parte 1 - O continente”, publicado no ano de 1949, mas que retrata um período que se inicia em 1745 e se estende da até 1895, cita categoricamente os ovelheiros de Rio Pardo. Fazendo clara insinuação que, já naquela época, o município era referência na criação desses animais.
Vale ressaltar ainda que, o município de Rio Pardo se desenvolveu desde sempre envolto no espectro da cultura da gaúcha, Ou seja, tudo, absolutamente tudo, que faz parte da lides rurais tradicionais e da história do Rio Grande do Sul, teve como ponto de origem essa primeira cidade. Como já dizia o saudoso historiador, artista e tradicionalista Nico Fagundes: "Nenhum gaúcho vem a Rio Pardo. Todos voltam a Rio Pardo, porque aqui tudo começou".
A EVOLUÇÃO DA RAÇA
A utilização de cães como ferramenta de trabalho, nas diversas áreas, nunca foi uma novidade, e animais com instinto funcional (para caça, guarda e pastoreio) sempre foram usados pelos seres humanos desde os tempos mais remotos. No caso dos cães Ovelheiro Gaúcho, como o próprio nome autoexplicativo sugere, se originaram para trabalhos com rebanhos ovinos no Rio Grande do Sul, em meados do século XIX.
Dessa forma, visto essa necessidade de utilização prática, é possível atrelar que a população de cães Ovelheiros, sempre foi proporcional a população de ovelhas. Essa é uma dedução lógica.
Segundo dados da Secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul, o rebanho ovino do estado chegou a seu auge na década de 1970, alcançando uma população de cerca de 12,5 milhões de cabeças, sendo que atualmente está na casa dos 3,1 milhões (e diminuindo ainda mais a cada ano). De modo que o rebanho bovino, que também teve seu auge na mesma década, estava na casa dos 12,2 milhões, e permaneceu praticamente estável, hoje na casa dos 12,0 milhões (oscilando para mais e para menos durante esse período).
Isso significa que, em resumo, a quantidade de ovelheiros trabalhando com ovelhas diminuiu em quatro vezes nos últimos 50 anos. Não há como discordar dos números.
Junto a toda essa conjuntura, ainda existe mais dois agravantes. O primeiro aconteceu de forma simples e até trivial, muito por conta por conta do cenário socioeconômico da região, onde a quase que exclusiva atividade pecuária da época, hoje compete em disparidade com lavouras, diminuindo assim as áreas de pastoreio. E o segundo, e mais impactante, foi a importação de outras raças estrangeiras, amplamente selecionadas para trabalho com ovinos, (como o próprio Border Collie), introduzidas na região do bioma Pampa, criando assim uma forte "concorrência" para o nosso Ovelheiro Gaúcho.
Ou seja, devido essa situação, onde a população do rebanho bovino se manteve, aliado a capacidade de aprendizagem dos cães ovelheiros, que possibilitou se adaptarem ao pastoreio com qualquer tipo de rebanho, fica nítido que, durante esse período, a raça sofreu uma evolução gradativa, voltada para o trabalho com gado bovino.
Isso fica explícito inclusive, ao observar na prática a funcionalidade apresentada pelos exemplares nas fazendas e estâncias atualmente, principalmente porque os Border Collie têm como característica serem animais silenciosos (comportamento típico do pastoreio com ovinos), já os Ovelheiros fazem uso do latido como estímulo sonoro para que a tropa acelere e aperte o passo, ação muito útil nas longas jornadas com gado.
Portanto, concluir que os cães Ovelheiros modificaram sua funcionalidade original, e hoje são animais perfeitamente voltados ao trabalho com gado, não é um equívoco, mas sim a forma de entender como a raça se adaptou ao longo dos anos para permanecer "viva". Porque em suma, uma raça que não evolui torna-se obsoleta, entra em processo de extinção e acaba (isso já aconteceu muitas vezes na história, com várias outras raças).
Felizmente, nos últimos anos, o Ovelheiro Gaúcho vem obtendo uma notoriedade cada vez maior, porém agora de uma maneira diferente: Nas redes sociais, fazendo com que o seu fenótipo fique conhecido nos centros urbanos, popularizando-se na função de companhia e ajudando assim a consolidar-se como cães da família, não somente de trabalho no campo. Porém o mais importante é que ainda existem criadores que são mantenedores dessa tradição de criação, acompanhando a evolução funcional ao longo do tempo, desenvolvendo linhas de sangue que atendem ao perfil pecuarista gaúcho dos dias de hoje e assim continuam fomentando cada vez mais a raça como um todo.
OS "PRIMOS" NORTE-AMERICANOS
Para efeito de comparação, podemos observar os cães da raça Old-Time Scotch Collie que é "um tipo de primo" do nosso Ovelheiro Gaúcho, onde a seleção por migração da Europa para os Estados Unidos foi muito semelhante ao processo acontecido no Brasil, principalmente pra auxilio nas propriedades rurais, basicamente nas mesmas funções. Porém, devido ao maior desenvolvimento socioeconômico norte-americano, há maior quantidade de registros fotográficos históricos, se comparados aos registros fotográficos sul-brasileiros.
Nas artes, algumas gravuras e pinturas antigas também retratam exemplares de cães muito semelhantes ao que vemos hoje em dia.
Nota0 1: Imagens extraídas das mídias sociais, meramente ilustrativas, onde é possível identificar uma semelhança fenóptica com os cães ovelheiros da atualidade.
Nota 02: Nenhuma violação de direitos autorais pretendida.